Por: Thiago Ribeiro Borges
Há alguns dias tive o prazer de assistir pela primeira
vez esta linda obra, fiquei encantado pela jovialidade, carisma e espontaneidade
dos protagonistas.
De imediato fica em evidência o fato de todos os três
serem pessoas com síndrome de Down, mas engana-se quem pensa que o filme foca apenas
neste tema.
Muito pelo contrário, o longa-metragem brasileiro, lançado
em 2012, e dirigido por Marcelo Galvão e com a participação de Lima Duarte e
outros artistas, destaca de maneira incrivelmente sensível e poética o amor
pela liberdade, a celebração das amizades e a realização dos próprios sonhos.
No início percebemos o ambiente institucional em que os
jovens residem, um centro para pessoas com deficiência, bem seguro, protegido e
controlado, mas que dificilmente dá abertura para estes serem independentes. Após
conviver por tanto tempo sob este regime, o inconformismo de Aninha, Márcio e
Stalone rompe barreiras. Eles fogem do instituto, se fantasiam e saem pela
estrada com um carro vermelho rumo a uma intensa jornada de desbravamentos e
descobertas pessoais.
Nesta situação podemos pensar o quanto nosso Ego (Eu), essa parte que nos dá
identidade pessoal, ou seja, nossa personalidade consciente é governada pelo
medo de sair da zona de conforto e interagir com o desconhecido, mesmo que seja
para nosso próprio benefício (JUNG, 2008).
A descoberta dos
potenciais inexplorados em nós mesmos causa medo e receio, afinal não sabemos
quais serão os resultados e consequências de novas ações, mas a partir da força
de vontade e coragem podemos dar um primeiro passo e descobrir o que este
grande mistério nos reserva.
Essa situação pode ser representada no filme pelo modo como
a sociedade, a mídia e as forças policiais identificam os três jovens, os
retratando de forma criminosa e marginalizada, tal como se fossem bandidos
perigosos e violentos. Tudo numa tentativa de impedir a jornada dos mesmos.
Muitas vezes a existência de um adversário que surge para
impedir a continuação de nosso caminho ou projetos pessoais não se encontra no
lado de fora, mas sim em nosso interior.
Este é a nossa Sombra, que
reúne os aspectos mais desagradáveis e moralmente inferiores de nossa
personalidade, sendo por isso rejeitados da consciência (JUNG,2008). Estes
elementos numa tentativa de serem reconhecidos em nossas vidas podem aparecer
de maneira distorcida e destruidora, tal como atos inconsequentes e
prejudiciais, sintomas psicológicos e até mesmo como figuras ou situações
monstruosas nos sonhos.
Para tanto, ouvir e compreender o chamado dos impulsos
mais naturais da psique é fundamental para uma maior qualidade de vida e saúde
emocional. Estes desejos tão intensos de crescer na vida e quebrar as barreiras
do conformismo são mobilizados pela essência mais importante de nosso ser, o Self (Si-mesmo), o centro de nossa
personalidade e principal responsável por nos guiar para um maior equilíbrio em
relação à vida (JUNG, 2015).
Dentre as vontades pessoais perseguidas pelos três heróis
desta jornada são destacadas três coisas simples: o desejo de Stalone de ver o
mar, o de Aninha de se casar com um cantor e o de Márcio de voar pelos céus.
Em meio à busca pela realização de tais metas, os jovens
se envolvem numa série de confusões e atos escandalosos, como assaltar lojas de
conveniência com uma arma de brinquedo tal como nos filmes que Stalone
assistia, sendo para eles nada mais que uma espécie de “brincadeira inocente”, não
ferindo ninguém no processo.
Tudo isto com a finalidade de continuarem a aventura,
enfrentando todo tipo de situação e dificuldade que aparecia pelo caminho da
forma mais criativa possível.
A jornada da trupe continua até conseguirem realizar o
desejo de Stalone e chegarem até o mar, onde caminham pela praia e passeiam de
barco. É interessante destacar que nos estudos da psicologia, a água é um
símbolo dos sentimentos e do inconsciente (aquilo de que ainda não temos
consciência, ou seja, o que ainda está submerso e abaixo da superfície), pois
tal como o líquido os sentimentos são fluídos e dinâmicos, podem ser calmos ou
tempestuosos, podem tomar diferentes formatos e permanecem em constante
movimento, assim como a água os sentimentos são a fonte da vida, da renovação e
da transformação (EDINGER, 2006).
Após este encontro dos personagens com o mar (sentimentos/inconsciente),
Márcio tem um sonho em que voa em um balão. Tal cenário acaba sendo indicador
de alguns papéis fundamentais que os sonhos têm em nossa vida, muitas vezes
compensando nossos desejos mais profundos que ainda não foram concretizados no
mundo real, nos preparando à possibilidade do acontecimento se realizar no
futuro e apontando à resolução de problemas de nossa vida de forma criativa e
lúdica, contribuindo imensamente para nosso equilíbrio psicológico e qualidade
de vida (WHITMONT; PERERA, 1995).
O próximo desejo realizado é o de Aninha, casar-se com um
cantor. Porém, após uma série de eventos a situação segue outra direção e a
jovem casa-se com Stalone, que a admirava secretamente, vivendo um belo caso de
amor.
Podemos entender que somente após o confronto com os
próprios sentimentos é que se abre a possibilidade de vivenciar um
relacionamento amoroso com o outro, deixando que aspectos mais amadurecidos da
personalidade possam conduzir ambos os parceiros a uma relação saudável,
respeitosa e duradoura (JOHNSON, 2009).
Por fim antes da realização do último desejo, a vontade
de Márcio de voar pelos céus, este acaba sendo baleado num abordagem feita
pelos policiais para prender os jovens.
Em tal momento, podemos entender que o acontecimento
representa a vivência de uma morte simbólica, o encerramento de um ciclo, dando
abertura para um novo recomeçar, carregado de inúmeras possibilidades, padrões
de comportamento e metas pessoais (JUNG, 2008).
Ao perceber que o ferimento não foi tão grave, Márcio é
acordado por Stalone, indicando que eles estavam num avião voando de volta para
casa, o que traz imensa alegria ao rapaz ao ver seu desejo realizado.
No final da
aventura a mudança de perspectiva em relação ao mundo e a própria vida se
altera completamente. Novos horizontes são percebidos e diferentes
potencialidades e aspectos da personalidade são reconhecidos e convidados a
fazer parte de nossa realidade consciente, deixando de ser sombrios e saindo do
campo da inconsciência.
Uma jornada que permite tal despertar não precisa se dar necessariamente
no mundo exterior, mas sim dentro de cada um de nós, numa atitude de “olhar
para dentro” e ter coragem e a sensibilidade para aceitar e reconhecer o que
existe em nosso interior.
Por fim, podemos perceber que o filme é um retrato da
liberdade pessoal que existe em qualquer pessoa, tenha esta deficiência ou não,
além de apontar o quanto nossa atitude frente às possibilidades da vida são
fundamentais para a concretização de nossos sonhos e da nossa realização
enquanto seres humanos carregados de desejos.
Referências
bibliográficas
JOHNSON, R. A. We: a chave da psicologia do amor romântico. 2ªed. São Paulo: Mercuryo, 2009.
JUNG,
C. G. Sonhos, memórias e reflexões. ed.
especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
______.
O homem e seus símbolos. 2ª ed. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
EDINGER,
E. F. Anatomia da psique: o simbolismo
alquímico na psicoterapia. São Paulo: Cultrix, 2006.
WHITMONT,
E. C.; PERERA, S. B. Sonhos: um
portal para a fonte. São Paulo: Summus,1995.
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